24 novembro, 2010

Levedo de cachaça para fazer cerveja?

Água, malte, lúpulo e levedo. São apenas quatro os ingredientes básicos para se fazer cerveja, ainda que suas dezenas de estilos façam supor o contrário. À exceção da água, praticamente tudo é importado para a fabricação da bebida no Brasil, quadro que pode mudar a partir de agora, graças à iniciativa pioneira de pesquisadores e produtores mineiros no estudo sobre o uso de levedo de cachaça na fermentação da cerveja, substituindo cobiçados similares europeus. Mais do que mera questão de custo, está em jogo a possibilidade de o país mostrar potencial como fonte de matéria-prima única no mundo.

Levedos são fungos microscópicos. Durante o processo de produção da cerveja, são adicionados aos bilhões ao mosto (o malte macerado com água quente) para desencadear o processo de fermentação, durante o qual são originados o álcool e o gás carbônico. Além disso, é justamente nesse momento que surgem compostos secundários (álcoois superiores e ésteres) fundamentais na formação de aromas da bebida. Há centenas de tipos de levedos, sendo que a minoria é adequada para esse uso. Um deles está presente no mosto de fermentação da cachaça mineira.

A primeira cerveja elaborada com levedo de cachaça produzida em Minas Gerais foi feita recentemente na cervejaria-escola Taberna do Vale, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Batizada de Carolweiss, é uma cerveja de trigo desenvolvida pelo cervejeiro Felipe Viegas e pelo farmacêutico José Eduardo Marinho.

A ideia surgiu há dois anos, durante palestra de Rogélio Brandão, professor do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e sócio da Cerlev, empresa que presta serviços na área de fermentação. Atualmente, ele prepara um estudo a ser desenvolvido no curso de mestrado sobre a ação de diferentes levedos de cachaça no mesmo mosto de cerveja.

A partir daí, José Eduardo foi buscar num alambique da fazenda do pai, em Mariana, a 110 quilômetros da capital mineira, o insumo para o experimento. Coletou amostra no local e fez a cultura para multiplicação do levedo. Ao eliminar bactérias nocivas e outros micro-organismos desnecessários e menos resistentes, isolou completamente um único tipo de levedo. Antes de usá-lo, foi preciso realizar a transição, já que estava "habituado" a fermentar sempre o açúcar da cana e não o do malte. Sucessivas gerações do mesmo levedo foram cultivadas por dois meses em mosto de cerveja com nível cada vez menor de açúcar de cana.

O levedo que obtiveram é capaz de fermentar naturalmente mosto formado só por malte, prova de que já está pronto para ser usado na fabricação de cerveja. Os resultados surpreenderam Felipe e José Eduardo: a cerveja ficou com teor alcoólico maior que o habitual – 5,5%; 0,2% a mais – e a fermentação, que demora cerca de seis horas para começar, teve início em duas horas.

"Alguns levedos são neutros e fermentam bem vários estilos de cerveja, o que não foi o caso deste. Testei-o numa Pale Ale e não deu certo. Por enquanto, mostrou que trabalha bem em cervejas de trigo dos tipos clara e bock", explica Felipe.

Na bock de trigo, a diferença na graduação de álcool foi ainda maior, 0,5% a mais. Ale é a denominação usada para a família de cervejas de alta fermentação e Pale é um subgrupo de bebidas da família Ale. Já a cerveja bock é aquela com baixa fermentação, cor mais escura e sabor mais forte.

Ameixa e macia

Em termos de sabor, as cervejas de trigo que a dupla produziu apresentam características aromáticas semelhantes às que teriam se tivessem sido feitas com o levedo tradicional do estilo, mas com alguns toques diferentes. Na versão clara, o levedo de cachaça conferiu surpreendente nota de maçã, enquanto na bock houve predominância do aroma de ameixa seca sobre os de banana, passa e cravo – exatamente o contrário do que seria esperado no método habitual. São características que as tornam únicas no mapa-múndi cervejeiro. Por enquanto, nenhuma está à venda.

Por esse motivo, Felipe não descarta a hipótese de pleitear reconhecimento da "weiss mineira" no Beer Judge Certification Program (BJCP), entidade autora do guia de estilos de cerveja mais adotado no mundo.
"Na Argentina, estão desenvolvendo um estilo próprio, chamado dorada pampeana, que querem aprovar no BJCP. É uma cerveja lager (denominação usada para a família de cervejas de baixa fermentação) com malte pilsen cultivado lá. Por que não fazer o mesmo com a nossa cerveja?", questiona.

Os próximos passos, revela, serão desenvolver cervejas ainda mais alcoólicas (até 13%) com esse levedo e testar variedades coletadas em alambiques de outras regiões de Minas Gerais.

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