30 dezembro, 2012

Veja BH: "Com doze fábricas de cervejas artesanais, Minas Gerais vira a Bélgica brasileira"


Hervig Gangl, um austríaco que conheceu uma belo-horizontina no deserto do Iraque e, apaixonado, se mudou para Belo Horizonte, administrava uma pedreira. Marco Falcone era diretor em uma empresa no ramo de energia elétrica. Paula Lebbos tinha uma boate. Os irmãos Tiago e José Felipe Carneiro cuidavam da rede de lanchonetes do pai. Ana Paula Ribeiro, doutora em fisiologia, era pesquisadora. Todos eles mudaram o rumo de sua vida por causa da bebida feita de lúpulo, malte e leveduras que é a predileta dos brasileiros.
Graças a empreendedores como esses, Minas Gerais ocupa hoje o segundo lugar em produção de cervejas artesanais do país, perdendo apenas para Santa Catarina. Doze fábricas e cerca de setenta cervejeiros caseiros são responsáveis pelo protagonismo que vem rendendo ao estado o epíteto de Bélgica brasileira.



Dos 120 estilos existentes no mundo, 55 já são reproduzidos em BH. Todos os meses, 1 milhão de litros saem dos tanques mineiros. "Os fabricantes não estão dando conta de atender à demanda do mercado", diz Cristiano Lamego, superintendente do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral de Minas Gerais (Sindbebidas). Em 2012, as vendas cresceram 20% em relação ao ano anterior. "Nossa expectativa é que o número de fábricas dobre até 2015", informa Humberto Ribeiro, presidente da Acerva Mineira, entidade que reúne os cervejeiros artesanais do estado. O próprio Ribeiro está abrindo uma nova unidade, a Inconfidentes, em Nova Lima, fruto da união de três cervejeiros caseiros como ele.


Visitar as microcervejarias da região metropolitana é mesmo uma experiência impressionante. Sem exceção, todas estão operando no limite da capacidade e passam por obras de ampliação. "Somos considerados de vanguarda porque fazemos receitas ousadas, com ingredientes nobres", afirma Marco Falcone, um dos nomes por trás da Falke Bier. O advogado sempre teve interesse pelo processo de produção da bebida, vivia fazendo cursos sobre o assunto e gostava de praticar em casa, por hobby.

A primeira garrafa que produziu foi em 1988. Dezesseis anos depois, abandonou o emprego e apostou todas as fichas na abertura de uma microcervejaria, em parceria com os irmãos Ronaldo e Juliana. Instalada no condomínio Vale do Ouro, em Ribeirão das Neves, sua empresa produz 10 000 litros por mês e eles pretendem aumentar em seis vezes esse volume em 2013.
"Tenho de recusar clientes", conta. Na fábrica, com fachada em estilo alemão e 2 000 metros quadrados de área, ele exibe orgulhoso os nove rótulos que criou, incluindo duas preciosidades da casa: a Falke Tripe Monasterium e a Vivre Pour Vivre. Em uma adega subterrânea, as garrafas da Monasterium repousam por 45 dias ao som intermitente de canto gregoriano. Falcone jura que as ondas sonoras da música trazem bem-estar às leveduras, deixando a bebida mais refinada. O preço de tanto requinte deixaria cambaleante até o papa Gregório: envasada em garrafa de champanhe, cada unidade custa, em média, 90 reais nos bares da cidade. Ainda mais salgado é o preço da Vivre pour Vivre, que é feita com jabuticaba e demora três anos para ficar pronta: 200 reais.


Victor Schwaner/Odin

O austríaco Hervig Gangl, fundador da Krug Bier: o pioneiro

"As cervejas de alta qualidade são caras, mas valem a pena. É como comprar um vinho sofisticado", garante Lígia de Matos, uma das dez integrantes da Confraria Feminina de Cerveja (Confece), a primeira do gênero no país, fundada em 2007. Juntas, as moças já criaram duas marcas para consumo próprio, a Conceição e a Aurora. Uma vez por mês, elas se reúnem em algum bar para degustar as novidades do mercado mineiro e já são conhecidas de quase todos os cervejeiros daqui.

Um endereço que está no roteiro delas é o da Krug Bier, no São Pedro, a mais antiga microcervejaria da cidade, aberta em 1997. A empresa fabrica hoje seis tipos de chope e cinco rótulos da cerveja Áustria, uma produção total de 2 200 milhões de litros por ano, boa parte dela distribuída em 140 pontos de venda na Grande BH. "Nos últimos cinco anos, nossa produção triplicou", comemora o fundador, o austríaco Hervig Gangl. Quando se mudou para o Brasil, ele investiu em extração de rochas ornamentais, mas percebeu que havia por aqui potencial para vender loiras, ruivas e morenas artesanais como as que seu pai produzia na Áustria. Deixou a pedreira sob o comando da mulher e focou no novo negócio.


Desde que Gangl fabricou seu primeiro barril, o setor cresceu a passos largos e também se sofisticou. São muitos os títulos conquistados pelas marcas mineiras. Em março, a Wäls levou três medalhas de ouro e foi eleita a cervejaria do ano durante o South Beer Cup, concurso sul-americano realizado em Blumenau (SC). "Foi o reconhecimento da nossa capacidade de inovação", diz o engenheiro de alimentos Tiago Carneiro, um dos donos. "A nossa cerveja é feita com amor. Esse é o diferencial", completa seu irmão José Felipe, um ex-relações-públicas que se tornou mestre-cervejeiro. Os dois se dedicavam à administração da empresa do pai, a rede de lanchonetes Bang Bang Burguer, e faziam chope apenas para venda nas próprias lojas.
Em 2007, decidiram apostar em cervejas artesanais e abriram a Wäls. Hoje fabricam oito rótulos, a maioria deles em garrafas com rolhas, destinadas a um público disposto a pagar até 130 reais por garrafa.


Praticantes da arte marcial muay thai, os irmãos estão longe de ostentar a pancinha muito comum em apreciadores da cerveja. Eles têm sacudido o mercado com produtos surpreendentes, como a Wäls Petroleum, que é maturada com cacau belga e tem 12% de teor alcoólico, quase o triplo das convencionais, e a Wäls Brut, elaborada pelo mesmo processo de fabricação do champanhe. Somente outras três fábricas no mundo fazem cerveja pelo método champenoise. Recomenda-se harmonizá-la com ostras e lagostas. A versão geek desenvolvida em parceria com funcionários do Google (a Wäls 42, com amêndoas californianas, abacaxi, limão e café na receita) foi outra estripulia da dupla neste ano. O desafio do momento é a Saison de Caipira, a primeira no mundo à base de cana-de-açúcar, desenvolvida em parceria com o cervejeiro norte-americano Garret Oliver, da respeitada Brooklyn Brewery, que será lançada em janeiro.

Victor Schwaner/Odin

Os sócios da Küd, Bruno Parreiras e Ana Paula Ribeiro: nanocervejaria do Jardim Canadá, em Nova Lima

Na esteira da multiplicação das microcervejarias, surgiu pela cidade uma gama de endereços especializados, com boas cartas de geladas artesanais. Há sete meses em funcionamento, a Drik, em Lourdes, é um deles. A loja aberta pelos amigos Manuela Menezes, André Winter e Tânia Nogueira tem 110 variedades à venda, com preços entre 6,50 e 199 reais.
A distribuidora Mamãe Bebidas, na Floresta, também resolveu apostar neste nicho: reúne em seu estoque mais de 700 rótulos especiais, entre regionais e importados.

Os empresários Juliano Caldeira e Samira Clemente são outros exemplos de empreendedores que enxergaram um filão nessa sofisticação dos hábitos dos belo-horizontinos. Em 2009, o casal abriu o Rima dos Sabores, no Prado, um bar que harmoniza com cervejas diferenciadas petiscos como cubos de avestruz marinados na cachaça e filé de cauda de jacaré com molho de cupuaçu. Conselheiro da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Caldeira é um dos que estão à frente do movimento para levar as marcas daqui para o resto do mundo. "Estamos tentando incluir as cervejas mineiras entre os produtos que serão apresentados no festival Madri Fusión", conta ele. O encontro gastronômico espanhol, considerado o maior do mundo, homenageará Minas Gerais em sua próxima edição, em janeiro. Os mestres daqui estão otimistas sobre a recepção que a nossa gelada pode ter no exterior. E há bons motivos para isso.


A microcervejaria Backer, por exemplo, começa a conquistar clientes em outro continente. "Os americanos ficam encantados com nossos aromas", diz Paula Lebbos, uma das donas. Em janeiro, ela despachará o primeiro contêiner para os Estados Unidos. Equilibrando-se em um salto altíssimo, Paula percorre a fábrica de 4 000 metros quadrados para supervisionar a obra que fará a capacidade de produção subir dos atuais 240 000 litros para 320 000 litros por mês. O endereço, no bairro Olhos d'Água, se transformará, a partir de março, em um grande complexo cervejeiro aberto à visitação, com restaurante, loja e sala de degustação. "A gente fazia chope para atender à demanda da Três Lobos. Não tínhamos a intenção de vender para fora", lembra Paula, referindo-se à extinta casa noturna na Avenida Raja Gabáglia, que tinha em sociedade com o marido, Halim Lebbos, e o cunhado Munir Khalil. O sucesso da bebida foi tanto que os três empresários resolveram deixar as pistas de dança. A famosa boate emprestou o nome à linha lançada no ano passado, com rótulos que levam capim-limão, casca de laranja e açúcar mascavo.

Victor Schwaner/Odin

Manuela Menezes, uma das donas da Drik, em Lourdes: aposta na sofisticação dos hábitos de consumo

"Estamos criando um exército cervejeiro por aqui", brinca Felipe Viegas, dono da Taberna do Vale, uma nanocervejaria, como são conhecidas as fábricas ainda muito pequenas no Jardim Canadá, em Nova Lima. Lá, ele produz sete tipos de chope, e pretende abrir um pub em 2013. Graças a uma lei municipal que permite a fabricação de cervejas artesanais em perímetro urbano, o que no resto do país está restrito aos distritos industriais, a cidade vizinha à capital vem atraindo vários empreendimentos. Estão previstos quatro novos negócios até o meio do ano que vem. Foi também no Jardim Canadá que os amigos Roque Santos, Matheus Quirino, Alencar Barbosa, Bruno Parreiras e Ana Paula Ribeiro (a doutora em fisiologia do início desta reportagem) resolveram abrir a Küd, que fabrica 5 000 litros de seis variedades especiais de chope com nomes inspirados na história do rock.
Quem passar por lá e quiser experimentar uma tulipa, porém, vai ouvir a resposta que é um clássico nos botecos: "Tem, mas acabou". A produção deste mês já está toda vendida.


Fonte: Veja BH (reprodução da matéria)
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